quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Seis e meia da manhã

Acordada desde as três.
Sonhando com o dia que eu vou conseguir domir uma noite inteira de novo, tipo fechar os olhinhos oito da noite e só abrir oito da manhã, sem insônia ou sonhos esquisitos. Alcancei um novo nível de ódio do meu relógio biológico nos últimos dias.
Novos objetivos de vida: 15kg a menos até o final do ano. E esgotar a pilha de livros do criado mudo até o final do mês que vem.
Centenas de livros começados e não terminados.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O Assalto

Sete e meia da noite, ônibus meio cheio e bem na hora que o trânsito caótico começa a desafogar na maior avenida da Ilha Encantada. Já é praxe. Encosta a cabeça na janela do ônibus, pensa. Quero viajar para Brasília, quero comprar uma poltrona para o quarto, quero viajar para Natal mas a passagem mais barata custa R$ 800. Quero chegar mais cedo no trabalho amanhã, quero ver o jog...

Um puxão na bolsa. Ato reflexo, ela puxa de volta. Recebe mais um puxão. Meio desatenta, olha para cima, interrogativamente.

- Isso é um assalto.

O quê?

Ela finalmente olha em volta. E vê o horror. Revólveres, dois e uma dezena de passageiros abaixados e escondidos entre os bancos e uma cobradora de mãos trêmulas, recolhendo a renda do ônibus e deixando duas moedas cair. Bolsas, compras, celulares, jóias. Medo em todos os olhos, susto em outros, resignação em mais alguns. Ela sente o coração disparar, mas é só. Queria sentir medo, raiva, ficar apavorada, qualquer coisa. O revólver apontado na direção dela. Aquilo não pode estar acontecendo. Ela não esboça reação nenhuma, mas é porque aquilo não é com ela. É num outro mundo, uma dimensão paralela qualquer, um outro ônibus vermelho cheio de gente sendo assaltado às sete da noite na avenida quase engarrafada, mais improvável impossível.

- Me dá o teu celular. Anda, o celular.

A menina e o assaltante se encaram em silêncio por uns dez segundos, quer dizer, uns trinta minutos, ou seja, mais ou menos umas duas horas. Ela tem os olhos vazios e também não consegue ler o que há nos dele. Ele remexe a bolsinha pequena de crochê onde só cabem o celular e as chaves de casa. No bolso, R$ 10 e o cartão do banco e o alívio de não ter saído com carteira, ele nem viu. Ele só leva o celular que, bem, já estava na hora de ser trocado mesmo, nem sei o que ladrão vai querer com aquilo todo arranhado.

Do outro lado, uma mulher, novinha como ela só, segura três sacolas de supermercado. Chora pensando nas filhas pequenas que estão em casa. E se elas estivessem comigo. A outra, atrás, pensa no cordão de ouro e no celular novinho. Eu passo a mão nas costas da mãe, tento acalma-la, desço no shopping já pensando em comprar um celular novo, melhor coisa ter economias guardadas.
Apontaram uma arma pra mim, remexeram na minha bolsa e tiraram meu celular. E eu não consegui pensar em ninguém pra pensar.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Baby, I'm gonna leave you

Segunda-feira, duas horas da tarde e eu à base de café e pães de queijo na redação. O telefone toca.

-Olha só. Fica calma. Lembra que você está no trabalho. Mas eu preciso que você, hm, dê uma olhada no seu e-mail daqui a pouco. Não precisa ser agora, é daqui a pouco mesmo. Quando você tiver um tempo.
-Peraí. O que tá acontecendo? O que foi?
-Nada, nada. Só checa a caixa de e-mails, tá bom? Tem alguma coisa lá pra você. Pra nós todos na verdade.
-Pára com esse suspense. Fala logo.
-Ele vai embora... Ele mandou um e-mail avisando que vai embora.
-Ele quem?

Eu odeio clichês, mas eles são inevitáveis. Ele é o irmão que meus pais não tiveram, o amigo que eu sempre tive, o menino que cresceu comigo. Aquele que na primeira série sentava comigo no recreio e me ajudava a pintar os desenhos do livro de Gramática, mesmo que eu achasse estranhíssimas as influências fovistas que ele tinha para pintura. Para ele todo mundo tinha a cara azul ou cabelos verdes. Vai ver nem era culpa de Matisse, o meu amigo-irmão só devia ter assistido muitos filmes de extraterrestres.

Não foi a pintura vanguardista que nos fez famosos, mas sim a nossa mania de andar juntos o tempo todo, numa idade em que meninos e meninas costumam ter brincadeiras diferentes. Vai ver era por ele ser o único na turma mais novo que eu. Teve um ursinho cor-de-rosa de gravata xadrez que ele pescou na máquina do shopping e não sabia para quem dar, aí terminou ficando comigo e tá pela minha cama até hoje. De boa qualidade, esses ursinhos do shopping. Eu ainda trocava papéis de carta e brincava de boneca, mas das pinturas e amostras grátis de batom que ele pegava na loja da mãe, passamos aos animes e mangás e toda espécie de parafernália oriental que marcou a minha adolescência inteira. Foi com ele também a primeira vez que matei aula de sábado de manhã.

Lá se vão quase dez anos em que a casa dele era o meu porto seguro. Devo ter levado incontáveis amigos e até alguns namorados para lá, apresentando tudo com o maior orgulho, pode ficar à vontade, essa aqui é nossa casa também, é quase como se eu morasse aqui. Acho que nos últimos oito anos mais ou menos, não houve um final de semana em que a casa dele não estivesse cheia de gente de sexta a domingo ininterruptamente, a ponto de todos nós secretamente nos perguntarmos: será que ele não se incomoda? Não sei se já perguntei isso a ele. Sei que ele nunca falou disso.

Quando eu tinha quinze anos eu fui correndo chorar no ombro dele porque os meus pais queriam se mudar para a capital federal e eu não queria ir.
Eu fiquei. Agora é ele quem vai.
Falta menos de uma semana pra ele ir e só mandou um e-mail.
E eu ainda não tive coragem de ligar pra ele e falar do tanto que eu vou sentir falta, porque eu sei que ele vai mandar eu parar de ser dramática e toda emo e blá blá blá.
E vai ficar todo mundo aqui, sem sorriso perene sem o abraço mais fofo do mundo sem as piadas mais idiotas do mundo e sem casa de final de semana.

E tudo vai se resumir num abraço, boa viagem, saudades e tal.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Geração Coca-Cola


Eu acabei de tomar uma Coca-Cola.

Simples assim. Não era Light, nem Diet, nem Zero e muito menos o purgante chamado Light Lemon. Só Coca-Cola Coke, geladinha, de garrafa Pet que faz "Tsss" delicioso na casa silenciosa no meio da madrugada.Meu primeiro refrigerante em meses que não é Light, nem Diet, nem Zero, nem Light Lemon com baixo teor de caloria e etecéteras.

Preta, com rótulo vermelho e tampa amarela. A combinação perfeita pra chamar a atenção. Todos os refrigerantes dietéticos já tem a embalagem completamente sem graça, uma versão desbotada das cores originais. A de Guaraná Zero é branquela, com umas listras verdes, no lugar do verde chamativo e provocante da latinha de Guaraná Antactica comum, que me dá água na boca só de lembrar. A de Coca Light, nem se fala. Também é branquela, só que com algumas listras pretas e vermelhinhas. Argh. Eu conheço uma moça que sempre toma Coca-Cola no "serviço", e nunca é Light. É a Coca-Cola normal, naquela lata em vermelho chamativo, quase obsceno. Eu quero aquilo pra mim, chega de refrigerantes desbotados.

Mas era de madrugada e eu estava na cozinha e a garrafa Pet sorrindo e apontando pra mim, do alto da dignidade de sua tampa amarela. Eu giro a tampa com cuidado para não acordar ninguém e ela me adverte: "Tssss, silêncio". Os melhores crimes parecem ser os cometidos silenciosamente.

Eu tinha até esquecido como era o gosto. Parecia que aquela coisa preta no copo sempre tinha parecido com remédio, ou qualquer coisa insípida intragável. Mas não dessa vez. Dessa vez era o doce interminável que acompanhava a língua formigando até onde o tato podia alcançar - Coca-Cola sempre formiga mais que qualquer outro refrigerante.E quem se concentrar consegue seguir o caminho do refrigerante por todo o sistema digestivo, sentindo o esôfago e tudo o mais formigar até queimar de leve o estômago.

Pronto, parou. Tssss. Símbolo de um monopólio comercial característico de um modo de produção capitalista e explorador, de um império estrangeiro alienante, de uma juventude não transviada porque alheia e até de um mundo inteiro de novas celulites em lugares que você nunca imaginou possíveis. Não interessa. Foi assim que descobri que sou viciada em Coca-Cola.