domingo, 27 de dezembro de 2009

Mulheres acima da média*



- Não tem do seu tamanho.
- Não perguntei se tinha do meu tamanho, perguntei quanto custava.
- É, mas não tem do seu tamanho. Não é para você mesma? Pois é, não tem.


É claro que eu nunca mais voltei àquela loja. Mas o episódio me voltou à mente hoje, alguns meses depois, no frenesi de consumismo ano-novo-roupa-nova. E tinha que ser um vestido branco. Ou um bermudão divertido. Ou um jeans. Qualquer coisa, só tenho mania de estrear o ano estreando roupa também.


- Tem 46
?
- Não, senhor
a. Esse modelo só vai até o 42.
- E esse vestido aqui?
- Qual o tamanho, senhora?
- G ou GG. Não é sempre que o G serve.
- Sinto muito, mas só temos P e M.

(E ela ainda me chamou de "senhora". Que raiva.)

Admito. Nos últimos dois anos passei do manequim M para o GG e das calças 42 para as 46 (quer dizer, outro dia experimentei uma 48 que serviu). Quinze quilos em vinte e quatro meses, vinte a mais que o meu peso ideal que, segundo a última nutricionista que visitei, seria de não mais que sessenta. Há cinco meses na casa dos oitenta, tenho uma certeza: não vai ser fácil diminuir.

Embora eu reclame o tempo todo, nesses dois anos, provavelmente houve apenas uma ocasião em que eu fiquei realmente tentada a forçar os ponteiros da balança para baixo até quebrarem. E é claro que foi com o moço dos olhos bonitos, que me apareceu de pneus arriados por uma moça que – eu tenho certeza – é tão magricelinha que não pode nem doar sangue.

Abaixo as mulheres mais velhas que eu que, mesmo assim, continuam a comprar na seção infantil. As estatísticas dizem: é 44 o tamanho médio do manequim da mulher brasileira. Mas esse é, justamente, o
maior tamanho à venda nas lojas. O apenas mediano, então, é considerado o máximo possível? Que nicho da moda está reservado a nós, moças que sempre foram acima da média em todos os aspectos? E não me venha com essa de lojas especializadas, que não cola.

Não nego que, mesmo felizes, mulheres com sobrepeso e com mais curvas e dobrinhas
que a média pensem freqüentemente em puxar ferro, trancar a boca e a geladeira com cadeado e até em fazer amizade com a maravilhosa Sibutramina ou até com outras “minas” menos agradáveis.

A sibutramina eu testei. Me levou sete quilos em três semanas, mas me deixou tão ligada que eu fiquei assustada. Parei e ganhei tudo outra vez e mais um pouco. Com as outras “minas”, felizmente, eu nunca conversei. Não vale a pena. Conheço moça magricela que me olha de soslaio e diz "gorda" com ar depreciativo, mas chega em casa e mete o dedo na garganta pra pôr pra fora as calorias. Não vale a pena.

Vale, sim, a pena, e é bem mais divertido, esticar um pouquinho a largura do cós das calças e alargar a cintura dos vestidos. Educar vendedoras arrogantes para apreciarem a própria celulite antes de virarem o olho para a da vizinha. E, sobretudo, incluir nas lojas dos shoppings afora tamanhos acima de 44. Mais importante ainda: deixá-los bem à vista, de preferência com cartazes gigantes, dizendo assim: voltado para jornalistas consumistas com três empregos e dinheiro no bolso e mulheres acima da média em geral. Se puder ser antes do ano-novo, agradeço.

*Postagem ilustrada com imagens da modelo Flúvia Lacerda, manequim 48 e linda!

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um pé quentinho para o Natal

Em todo o ano de 2009, acho que dá para contar não mais que umas três ocasiões em que eu quis ter um namorado. Parece hipocrisia sumir por quase um mês e, quando enfim reaparecer, vir com o discurso clichê da solteira feliz, da gordinha alto astral e outros que tais. Menos quando, bom, se é tudo isso. Exceto por umas noites em que o pé esfria um pouco, a maior parte do tempo eu penso que cresci tanto (com trocadilho) que não anda sobrando espaço na minha vida para ninguém além de mim mesma.

A literatura é injusta com as solteiras. As apaixonadas tem Vinícius, Drummond e representantes em praticamente todas as escolas de escritores de que se tem notícia. As solteiras, porém, são relegadas à literatura de banca de revista – toda, claro, destinada a transformar em compretidas as pobres solitárias desacompanhadas, e sempre em prazos ínfimos: em dez dias, um mês, uma semana, até o Carnaval, até 12 de junho. Ouse, conquiste, agarre, segure, prenda. É um homem ou um touro de rodeio?

A delícia de não ter namorado começa pelo desmazelo. Deixar a toalha molhada em cima da cama e esquecer de lavar roupa no final de semana e a calcinha pendurada no box do banheiro. Falando em calcinha, é outro desmazelo o poder sair de calcinha bege, grandona, furada e superconforntável. Afinal de contas, quem vai ver? O paradoxo também é delicioso: comprar lingerie para si mesma, ou para agradar um novo amor – em vez daquele cara rotineiro que nem lembra a cor do último sutiã que viu você usar.

Comer brigadeiro de colher, passar a noite com livros que você nunca mais teve tempo de ler ou rodeada de filmes que você sempre prefere assistir sozinha. Ou sair, dançar, ficar de pilequinho e não ter que pedir permissão nem ouvir onde você estava ontem à noite. Ou – a minha preferida – chegar em casa depois de 14h seguidas de trabalho e tomar um banho gelado e se jogar na cama, sem obrigação de satisfação de telefonema.

Mas tem dia que o pé fica gelado e bem que a gente precisa de alguém para esquentar. Tipo quando recebe um sorriso e um email atrevido do moço com os olhos mais lindos que você já viu, e sabe que não pode ser mais que um sorriso e um email atrevido e - veja só que atrevimento! É assim nos dias que a gente ganha uma viagem com acompanhante pro hotel chique pra se esconder de tudo e guarda as reservas na carteira esperando aparecer alguém pra ir junto. Duas me fazem até achar graça quando abro a carteira ou a caixa de email cheia de mensagens. Duas rodadas de cinco minutos cada uma, para desejar não estar mais sozinha.

A terceira é a noite de Natal...

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Respeitem meus cabelos, curtos


- Pode passar a tesoura.

- Tem certeza que não vai ficar muito curto?

- Vai, mas é assim que eu quero. Sempre quis o cabelo curtinho assim.

- Então, tá. Eu acho melhor um pouco mais comprido. Mas é responsabilidade sua, não reclama se não gostar.

Eu devia ter uns cinco anos quando do primeiro corte de cabelo que ficou gravado na memória. Minha mãe me levou ao salão de beleza e disse “quero para a minha filha ficar bonita que nem a Lídia Brondi da novela”. Tive que recorrer ao Google para lembrar quem era a tal. Até hoje não sei se saí bonita – mas lembro dos olhares enviesados na escola, a única menina que misturava no uniforme saia pregueada com cabelo de menino.

Até o crespo que hoje pede a mão cheia de creme para domar a manha de toda manhã é fruto de um corte malfeito, aos onze anos de idade. A mistura de corte “em camadas” com “estaqueado” com “repica um pouco a franja aqui em cima” virou cara de espantalho em final de colheita e desencadeou um estrago sem precedentes na autoestima da menina pré-adolescente. O cabelo, que antes era liso escorrido sem dar uma volta, se revoltou com a tesoura cega, ganhou voltas onde não tinha e humor próprio, ficando do jeito que quer todo dia – e nunca do mesmo jeito.

Eu adoro falar de cabelo. Já escrevi aqui sobre cabelo curto, sobre curtir as coisas e entrar em curto-circuito. Mas vai ver é porque para a comum das mortais, dentre as quais eu me incluo, satisfação com as madeixas é o início de um dia de sucesso. Não é à toa que dia ruim em inglês é “bad hair day”. Daí que por isso mesmo mandei deixar tudo curtinho inho inho arrepiado até onde presilha nenhuma alcança.

- Não ta horrível, mas... bem que poderia ser mais compridinho...

- Mas precisava isso tudo? Olha só, nem prender você consegue mais.

- Ah, não gostei, você ficou com cara de mais velha.

- Cara de senhora, parece assim uns 35 anos.

- O problema é que esse corte te engordou.

- Bom, vai crescer, né?

Nem sei, ou antes, nem quero. Na terra das cabeludas de madeixas lisas e 50kg e metro e meio de perna eu passeio com 81kg, óculos escuros e meu curtinho todo embaraçado. Não é, nem de longe, a verdadeira beleza. Mas acho que começou a parecer um pouco com a verdadeira autoestima.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Agenda cheia

- A gente devia sair uma hora dessas.
- É, pode ser.
- Que tal na sexta?
- Ih, sexta é o meu dia mais corrido. Nunca saio do trabalho antes de meia-noite e aí, já é cansada demais para fazer qualquer coisa.
- Puxa, que pena. Então que tal no sábado?
- Sábado eu vou trabalhar também. É que tem esse evento, e eu preciso acompanhar...
- Bom, ainda tem o domingo...
- Domingo é pior ainda, porque é o encerramento do tal evento. Não sei que horas saio de lá e, bom, na segunda meu horário é cedinho, tenho uma reunião com um cliente e preciso estar na empresa antes das 8h...
- Nossa! Você não tem tempo livre nem durante a semana? E se a gente saísse para almoçar?
- Mas como? O almoço é a única hora que vou ter para reunir com a minha equipe na semana que vem!

O engraçado é que ele tinha me perguntado, minutos atrás, porque eu estava solteira.
Acho que agora ele entendeu.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Dá-se explicação

Aí diz que eu fui procurar nos livros do tempo da faculdade alguma coisa que me fizesse voltar a me apaixonar pelo jornalismo. Folheando a estante desarrumada eu reencontrei o Noblat. E um trecho que ele falava da sua viagem a Angola. Noblat me contou que, nas ruas mais distantes do centro de Luanda, capital angolana, é possível encontrar casas com os dizeres na porta: “Dá-se explicação”.

Ele pensou logo: “Que maravilha! Imaginem encontrar um lugar onde se dão explicações sobre qualquer assunto! Perguntem que tudo lhes será respondido!”.

E fazendo o trabalho de todo repórter, que é perguntar, imaginei logo uma lista das coisas que queria ver esclarecidas. Poderia perguntar como é que a cidade maravilhosa que eu visitei há pouco mais de um mês ganhou contornos de guerra civil de repente, com direito a saldo de helicópteros abatidos e números de mortos e feridos divulgados na imprensa diariamente.

Como repórter de cidade que sou, poderia também perguntar se o sistema Italuís vai ser restuarado ou se vamos ter um colapso geral do sistema de abastecimento, com a cidade inteira sendo obrigada a carregar baldinhos d’água na cabeça, etc. Ou se as praias de São Luís estão mesmo tão poluídas como dizem e qual dos quatro relatórios de contaminação, afinal de contas, tem os dados corretos.

Mas nem só de reportagens se faz o meu dia-a-dia e nem foi especificada sobre o que é a explicação fornecida. Então, alguém me explica como a gente tira da cabeça uma paixonite platônica? Como a gente trabalha 15h por dia sem adoecer? Como a gente perde 20kg ganhos ao longo de dois anos? Eu faço uma nova faculdade ou invisto na pós-graduação de fotografia? Escrevo um livro ou faço um concurso público? Como por quê, onde, assim como? E agora?

Noblat não me convenceu que vale a pena continuar a ser jornalista. Nem os angolanos teriam as explicações para tudo que eu desejava saber já que, como ele contou mais adiante, os tais “explicadores” eram professores aptos a dar aulas particulares – quase sempre, de Português. Mas aprendi que o caso é também de fazer as perguntas certas. E, na maioria dos casos, as respostas só quem pode dar é a gente mesmo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Uma quase crônica

Eu quase odeio aquele texto do "Quase" que chega nos emails da gente de vez em quando. Só não desgosto mais porque nele bem que há um pouco de verdade. Pior que o não ter, que o não ser em definitivo, é o quase ser. Quase vida na verdade é quase morte, e Quasímodo, por sua vez, é mais cruel ainda, porque quis dizer quase formado. Mas os piores de todos são os quase dias. Aqueles em que somos quase nós.

Favor não confundir com a hipocrisia, que é a negação do que se sente ou se teria vontade de fazer. O quase é desbotado, assim cor-de-rosa bebê, sem graça tipo lápis de cor que continua clarinho não importa com quanta força a gente o pressione contra o papel. Quase é um nem sentir, um quase querer, um só bem de leve imaginar que poderia virar o mundo de ponta cabeça - e em vez disso virar de volta para o computador, sempre de costas para a janela, sem ver a lua e o sol trocando de lugar.

Se, por um lado, quem quase saiu da dieta ainda pode respirar sem medo da balança, quem quase come ainda tem fome. Quem quase beija, por sua vez, termina a noite de batom irretocado, mas sonha acordado. Diz boa noite e entra em casa pensando quando, afinal de contas, vai ter coragem de pedir ou de roubar. Verdade que há também os quase beijos, com um quê de provocação às vezes mais interessante que o ato em si. É até bom. O problema é quando é só um quase corpo - sem coração. Muita gente que beija e quase beija, no fundo só quase namora e ainda está esperando o amor chegar.

E por esses dias, finalzinho de setembro e quase no dia do meu aniversário, está na hora de deixar de ser quase eu. Quero ser inteira: inteira coração, inteira pulmões, toda boca de sorriso e olhos fechadinhos. Sem quase verdades, quase amores ou a vontade que veio mas no fim ficou sufocada nas borboletas do estômago porque só me veio uma quase coragem. Às vésperas de completar quase 25, meu pedido é só: plenitude.

Estou quase conseguindo?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Ensaio

- É em cima.
- Em Si?
- Não, em cima mesmo. A corda de cima.
- Assim?
- Isso. Agora, dedilhado. Não, dedilhado. Assim. Não, do outro jeito. Não. Não. Dá aqui essa palheta.
- Assim? Mas não era em Lá?
- Lá onde?
- Não, em Lá mesmo. A gente mudou o tom na semana passada.
- Tá... Mas e a bateria, como é que fica?
- Ah, não sei. Improvisa uma virada aí.
- Eu pensei num negócio mais assim tum-pá-pá-pá-ti-ro-li-ro-pin-pou, sabe?
- Ah, faz assim meio tum- pa-rá-rá-tum-pá-tum-ta-ca-tum-pá-tum. Saca?
- É, vou tentar...
- Então fica assim: uma pegada meio samba, mas com uma guitarra de rock.
- E o que eu faço com esse baixo?
- Sei lá, samba e bate cabeça.

Adoro as noites de quarta-feira em que eles me convidam pra ver o ensaio deles. A banda é boa também.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ao contrário assim

Sabe balão cheio cheio cheio que escapa da mão e vai soltando o ar até parar murcho e esquecido num canto da sala?


Sabe o último quadradinho de chocolate que cai no chão antes de a gente dar a última mordida?


Sabe gato brincando com novelo de lã e correndo correndo atrás do novelo e sempre se enrolando e nunca alcançando?


Sabe corredor ultrapassado em frente à linha de chegada, gol de derrota aos 45 do segundo tempo, corredor brasileiro empurrado por manifestante na liderança da prova?


Assim.


O resto das enumerações vocês podem completar. Mas amanhã vai ser tudo ao contrário.


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Pedido à paulista

Era o penúltimo dia em São Paulo. Fui ao caixa eletrônico garantir o pão e o circo dos últimos dias de férias. Seis da tarde e aquele friozinho gostoso de final de inverno na Avenida Paulista.

Daí que tinha o tal na porta da agência, do lado da alta de lixo, sentado no chão e enrolado em um par de mantas cinzentas e esfarrapadas. Ele revira os olhinhos remelentos e lamuriosos na minha direção, respira fundo, estende os braços e pergunta:

- Namora comigo?

E olha que foi o primeiro pedido de namoro que recebo em quase dois anos. E tem um povo por aí que acha que a vida amorosa deles que é uma piada.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sobre hipocrisia

O que é a hipocrisia para você?

No Catecismo me ensinaram que o Papai do Céu condena. Para muita gente, é aquele tal de ter preconceito, de ter o coração duro mesmo ao praticar boas ações, de entrar na Igreja e depois sair desdizendo tudo o que ouviu. Para outros, é o fingir de amigo e falar mal pelas costas, é o oferecer ajuda e então fazer cara de sonso.

Eu nem discordo – mas vou além. Acho que somos hipócritas o tempo todo. Criando uma aparência que não temos, usando sutiãs que põem tudo pro alto, espartilhos que evidenciam uma cintura que não temos mais, alisando cabelos que a Mãe Natureza nos deu emaranhados. É também a cada porção de batata frita recusada porque, bem – mesmo quando uma moça do meu tamanho atinge oitenta quilos ela tem que fazer de conta que está tudo bem. E sorrir e citar o Roberto, que perguntou “quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa?”.

E não para por aí. Mais que isso, somos hipócritas com os nossos sentimentos – quando forjamos uma segurança que não temos e suportamos a pressão e a ameaça de demissão no pós-férias – “reduzimos o quadro e enxugamos justamente a sua vaga, e agora?”- e agüentamos com um sorriso no rosto a constatação que não basta ser boa profissional pra se segurar num emprego. Somos hipócritas a cada vez de 180 baticuns por minuto que a gente faz cara de paisagem e age como se nem fosse grande coisa.
É aquele momento tipo ainda há pouco, em que o mundo caiu, o salto quebrou, o botão da camisa escorregou, o cabelo tá todo assanhado, os olhos estão inchados e a maquiagem borrada.

- E aí, menina, que saudade. Tá bem?

E a gente põe os óculos escuros e abre o sorriso mais largo de que é capaz.

- Claro que sim, tô renovada. Nunca me senti melhor.

Hipocrisia é uma arte importante, mas que eu preferia não dominar todo dia, sabe?

Quem mais aí tem momentos hipócritas?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do Curriculum Vitae como reforço de autoestima – Parte I


Enviar mais de trinta currículos num mês, preencher páginas e páginas de seleção para programas de trainee no meio de um mês de férias – mais: férias no Rio de Janeiro – dá o que pensar. É combustível para um revisão completa da vida, com direito a indagar quem você é, de onde veio e para onde vai – aliás, será que não respondi isso num desses processos seletivos online uma hora atrás?


Além de idade, escolaridade e nome de papai e mamãe, já dei a minha opinião sobre a crise no Senado e analisei a imprensa maranhense face à atual rotina de escândalos envolvendo José Sarney. Já escrevi um texto sobre o Michael Jackson e outro relatando três situações-problema na minha vida profissional que consegui resolver com sucesso. Já expliquei minhas perspectivas de carreira face às limitações instituídas com a crise mundial.


Já contei porque amo o meu trabalho mais que tudo mas mesmo assim quero trabalhar com vendas/ com geração de energia/ com investidores/ com decoradores/ numa grande redação. Já contei a minha maior qualidade, o meu maior defeito e o número de horas que passo ouvindo música, a quantidade de baladas que sou capaz de freqüentar num mês e até o número de horas que gasto dormindo – certamente, não muitas. Mas afinal, fazer currículo é a arte de mostrar o melhor de mim e ninguém precisa saber, até o primeiro dia em que eu aparecer com olheiras fundas às sete da manhã, que eu sofro de insônia crônica desde a barriga de mamãe.


O problema é que nem só de abstrações filosóficas e descrições da minha rotina se faz a procura por um emprego melhor. Bem mais diverso é o campo de exigências das empresas que requerem um profissional abrangente em todos os campos do conhecimento humano – exceto, claro, o Jornalismo. Nos últimos vinte dias, já me foram solicitados conhecimentos do céu, do mar e da terra: sobre decoração, gastronomia, mercado imobiliário, engenharia de tráfego e até com o ramo portuário e tecnologia espacial. Quer tentar? Vai lá, eu não passei não.


Com o perdão do lugar comum, mas em um mês de leitura diária de anúncios de vagas Internet afora, a gente faz uma revisão de vida, começando aos dezessete anos, no dia em que vesti o primeiro terninho, anexei uma carta de recomendação ao currículo cuidadosamente elaborado junto com o papai e fui bater de porta em porta em porta: “Moço, o senhor tem um estágio? É que eu quero ser jornalista. Nem precisa ser logo pagando, não”. E terminando na última reunião de editores em que eu teimei “A manchete do jornal é essa e pronto” e foi essa e pronto, que legal, volta pra casa e vai pensando na suíte.


Mas por agora, eu queria férias infinitas só para mandar currículo todo dia, que eu já estou ficando expert em preencher formulários. Ou, bem, só até no dia em que o telefone finalmente vai tocar e vai ser a dona Fulana de Tal da empresa X, “Olá, você pode comparecer a uma entrevista amanhã às 15h?”. Sim, porque nos meus sonhos nada acontece de manhã. Nesse horário, eu sempre tenho olheiras.

domingo, 16 de agosto de 2009

Gentileza e gente lesa

Numa tarde dessas, ouvi alguém lembrar: “Gentileza gera gentileza”. O interlocutor discordou e brincou. “Nada disso. Gente lesa gera gente lesa!”. Achei graça, mas vai ver é isso mesmo. Verdade que sorrisos polidos continuam a abrir portas – mas a maioria das expressões que se pretendem gentis contém advertências e desabafos velados nas entrelinhas.

Após dezesseis dias como hóspede em diversas casas alheias – férias, oba! – constatei que detesto a expressão “à vontade”. É falar “pode ficar à vontade” e me deixar com vergonha até de sentar no sofá e pegar água sozinha na geladeira. Afinal, assim como “a gosto”, à vontade é expressão relativa. Vontade de quem? Certamente não a do hóspede.

Quem diz “olha só, fica à vontade” com certeza não está esperando que eu deixe fios de cabelo enrolado decorando a louça da pia ou organize uma festinha dentro do quarto com a trilha sonora pós-punk oitentista que trouxe para animar o mês – coisas que efetivamente poderia fazer nos ambientes em que me sinto à vontade. Ah, e mencionei os sapatos jogados pro alto depois de um dia de caminhada? Pois é.

“Obrigado” e suas variações também me assustam. Eu sou moça de vinte e poucos anos e vontade forte, e a única coisa que faço obrigada é acordar cedo para trabalhar. Como assim, obrigada? Fiz porque quis, ué. E não me venha com “de nada”, “não tem de quê”, “imagina”, que me confunde mais ainda.

Outra dessas é o “como vai”. O Millôr diz que “chato é o sujeito que quando você pergunta como ele está, ele explica”. Concordo, mas sempre levei a pergunta muito a sério e literalmente. Daí que, numa dessas, segurei uma amiga no corredor do supermercado por mais de meia hora, até ela dizer: “A conversa até que está boa, mas eu tenho que pagar as compras”. Até hoje, ela nunca mais me telefonou.

Confundo, me torço e concluo que a Língua Portuguesa é a arte de dizer o oposto do que se quer e fingir interesse por aspectos alheios que não fazem diferença. Confesse: você se importa mesmo com o tipo de dia que vai ter o seu porteiro? Na dúvida, sigo sorrisos, agradeço a leitura da crônica e “bom dia, boa tarde, boa noite”. Tenham o dia que quiserem, e fiquem à vontade. Como vão vocês?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sampa*


Alguma coisa aconteceu no meu coração.


E nem precisou, como diz a música, cruzar a Ipiranga com a avenida São João. Na verdade, nem passei por lá. Até pedi, numa das minhas andanças para fotografar a cidade, que o meu amigo e anfitrião me ensinasse a chegar lá. Ele me olhou blasé e resmungou “mas que clichê!” e disse que não me levaria e pronto. Mas conheci a deselegância discreta de meninas e meninos e aprendi, nos últimos dez dias, a chamar de realidade o caos mais delicioso que eu já conheci.


Acordei com o sol nascendo nos meus olhos na poltrona do avião. Espiei pela janela e eram prédios a perder de vista por entre as nuvens enquanto o piloto alertava para uma suposta zona de turbulência, mas o único tremor que eu sentia era o de admiração. Eu era João do Santo Cristo quando chegou em Brasília. “meu Deus, mas que cidade linda, no Ano-Novo eu começo a trabalhar”.


E amanhã é outro avião, não de volta que por mim eu não voltava nunca mais. Vôo que pego com um dia de atraso, já que não tinha mais passagem para a data que eu queria. Mas nem liguei, eu era Phileas Fogg quando descobre que está um dia adiantado na sua volta ao mundo. Daí que o avião ficou para amanhã e, até eu voltar pra cá, vou ficando assim, feito espectador daqueles filmes de trilogia que terminam deixando muita coisa para acontecer adiante. Saio do cinema qurendo mais, insatisfeita e ansiosa pelo capítulo seguinte.


Enquanto isso, é hora de seguir viagem – para uma Cidade a que chamam Maravilhosa. E até é. Mas eu, aqui comigo, já achei minha Cidade Maravilhosa de coração. Sampa, sou só saudade...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A(meu)gosto


A gosto de quem? Desgosto de quem? Com gosto de quê? Agosto, eu gosto. Desde que seja, claro a meu gosto.


Mas alguns meses tem gosto esquisito. Julho é desses. Foi um mês estranho, com jeito de remédio de febre que a gente só toma para a mãe não brigar. Foi mês com gosto de cama fria e solidão e de perder celular e conexão com a Internet e ficar totalmente incomunicável por dias. Foi mês sem gosto de crônica no blog. Mês de pouco sair e pouco ver. Enfim, um mês sem gosto - até literalmente, já que, assustada com o ponteiro da balança subindo a patamares nunca dantes vistos, comecei a 284ª dieta.


Agosto, por sua vez, tem outro gosto – e dessa vez é um que não rima com palavra ruim.


Pra começar, é gosto de férias – as primeiras em três anos. Gosto de chocolate e refrigerante, que sou moça de muita iniciativa e pouca acabativa e por isso regime nenhum persiste. Gosto de roupa nova coisa nova e gente mais nova ainda, mesmo velha. E – o melhor de todos – gosto de cidades novas.


Então ficou assim: três cidades – ou menos, se o meu dinheiro acabar antes. E desde já, to com gosto de quero-mais e uns desejos de um poder durar para sempre que, infelizmente, vão ficar insatisfeitos.


O avião sai às três da manhã, mas jajá eu volto.


Enquanto isso, aproveite a gosto.



domingo, 12 de julho de 2009

Um dia de gênio



Se você pudesse ter um dia só para você, o que faria?

Acordei pensando no gênio da lâmpada. O sonho foi tão real que parecia que ele tinha mesmo acabado de me fazer essa pergunta. O que eu faria? E você?

Devo ter pensado numas duzentas e cinqüenta e sete mil coisas nos trinta segundos que se seguiram. Pensei no sonho conhecer qualquer coisa fora do Brasil, fosse a Europa, a América do Sul ou qualquer coisa lá no meio da África bagunçada por uma guerra civil. Pensei em conhecer coisas dentro do Brasil também. Voltar a Natal, Brasília, ao Rio e conhecer São Paulo – o caos delicioso que eu já amo mesmo sem nunca ter visitado.

Mas não. Já vou a São Paulo e ao Rio no mês que vem de qualquer jeito (iupi!) e seria um desperdício ter só um dia na vida para ver tanta coisa interessante. Cidades têm que ser conhecidas aos pouquinhos, com olhar de documentário e não de turista, para a gente sair de lá com a impressão certa e as melhores histórias para contar. Não, viajar não é a minha escolha.

Também poderia pedir ao gênio montes de dinheiro e todos os chavões e trocadilhos que vem junto. Não traz felicidade, mas ajuda a comprar, costuma dizer o meu pai. Não compra amor, mas compra gente para fazer amor, brinca um amigo meu com um sorriso sacana. Tenho uma amiga que contabiliza o salário em cervejas. Outra, em sapatos. Não seria bom então que, por um dia, eu pudesse comprar tantos sapatos quantos quisesse, beber todas as cervejas que desejasse, comprar amores e favores?

Mas nem é. Nunca sonhei em ser rica e depois, pechinchar é divertido, olhar uma arara e outra e ir parar na prateleira de liquidação. Estar no final do mês sem um tostão na carteira e ter amigos que te levam pra sair numa quinta-feira chuvosa e pagam bebidas que brotam magicamente na tua mão. Não, eu não preciso de dinheiro. Amor eu tenho pouco, mas é de graça.

O gênio percebe o meu sorriso embevecido e me faz uma terceira oferta. E se, por um dia, eu pudesse ter o amor que desejasse? Um dia inteiro agarrada no moço dos olhos bonitos para quem eu olho torto há uns dois anos sem receber de volta um sorriso com segundas intenções. Ou, quem sabe, um dia com o moço inteligente da voz bonita que vive me chamando para sair, e quando digo “Então, vamos!” ele responde que tem trabalhado demais e está cansado...

Respondo que não, gênio, não tem graça. De que me serve um dia só para saber como é e ter só ausência depois? Eu quero e peço pouco: nem precisa ser pra sempre, mas bem que podia ficar por amanhã e depois e depois de amanhã e algumas centenas de dias ainda por vir na minha vida, e ser daqueles que vão e deixam boas recordações e uma saudade bonita. Mas um dia só, é só para deixar gosto ruim na boca.

Resignado, o gênio suspirou. Sentou ao meu lado, provavelmente desejoso de entender a condição humana e a minha indecisa condição libriana. E aí o telefone tocou e era assunto de trabalho e eu pedi licença ao gênio para atender e de repente percebi o que queria. Desliguei e falei.

Seu Gênio, é o seguinte. Eu quero um dia meu, um tempo para mim. Quero um dia em que não precise fazer nada, que tanto faça levantar da cama ou continuar dormindo. Um dia tão nublado que a maior graça dele seja fazer xixi e voltar para a cama. Um dia chato pra dedel, mas sem celular tocando, sem obrigação, sem nada para fazer, por opção ou obrigação. Um dia para tirar folga de mim, um dia para não viver.

Ele suspirou, fez um muxoxo, emendou com uma cara de quem não entendeu, e me atendeu. E fez os domingos...

sábado, 4 de julho de 2009

O cara que eu mais amo no mundo

Este é um texto para o cara que eu mais amo no mundo.

Ele não ri barulhento e escandaloso feito eu. Não sei de onde puxei isso. Mas ambos temos o mesmo jeito de sorrir muito, com os olhinhos quase fechados e de qualquer besteira que soe remotamente engraçada. Nós dois temos o mesmo jeito de fazer trocadilhos sem graça e rir sozinhos deles depois. Tipo naqueles dias que ele queria falar sério comigo e não conseguia, e terminava disfaçando com um: “Presta atenção, tu não presta...”. Hoje a gente sabe que presta, e muito, um para o outro.

Esse é um texto para o cara que mostrou desde muito cedo as grandes conseqüências das minhas menores escolhas. Eu nunca me importei muito. Talvez por sermos tão parecidos, algo em mim de vez em quando me lembra que tenho um futuro interessante pela frente. Afinal, ele teve. E da mesma maneira, provavelmente daqui a uns vinte e cinco anos vou olhar ao meu redor e vou gostar do que vir. Não é só doutor que vive, não é? Ele disse isso quando tinha a minha idade. E estava certo. A gente que não é doutor vive mais.

Mas esse é um texto para o cara que é grandão e, por isso, me fez meio grandona e fora dos padrões também. Que me legou essa eterna luta contra a balança e o zíper das calças jeans. E, ao mesmo tempo, é um texto para o cara que, do mesmo jeitinho que eu faço, questiona isso de viver escolhendo o dia inteiro e se pergunta se não teria sido melhor usar o anel em vez de calçar a luva, sair correndo em vez de ficar tranquilo, subir nos ares em vez de ficar no chão, guardar o dinheiro em vez de comprar o doce, ou isto ou aquilo.

É um texto para o cara que, tal como eu, de vez em quando se olha no espelho e não se reconhece. Para o cara que, vez por outra, quer se encostar num canto e desejar não ter nada mais que dar conta. É para ele mesmo, aquele cara que precisa que precisem dele e, no entanto, nem sempre acerta o que fazer para ajudar. E mesmo quando acerta, tem mania de achar que está errando. Mas não tem problema: já valeu a intenção.

É um texto para o cara que perde a motivação e acha que perdeu a esperança de vez em quando, mas que volta e meia as reencontra de mãos dadas, numa esquina virada, num telefonema ou de repente até perdida no meio da blogosfera. É um texto para o cara que eu sei que vai querer chorar quando ler esse texto.

Um texto para o cara mais parecido comigo que eu já vi no mundo, mas que eu amaria mesmo que fosse totalmente diferente, porque tem amor que é incondicional e a gente não escolhe e eu amaria mesmo que ele não me acreditasse, ou não confiasse, ou não estivesse nem aí. Mas ele está, mesmo quando não liga muito e só me conta nas entrelinhas o quanto tem precisado de mim.

Enfim, este é um texto para o cara que eu mais amo no mundo.

Um texto para o meu pai...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Sonho sonhado só

Eu ainda sou novinha –nem passei da casa dos vinte e poucos para a dos vinte e muitos. Mas já falo com saudosimo. É que eu costumava ser do tempo em que as pessoas tinham sonhos.

Nem comer precisava. Queria correr o mundo e ver coisas e pessoas e engolir cidades e fazer de tudo pedaços de amor e de chocolates e uma casinha em amarelo clarinho, onde todos viveriam para sempre e onde nunca se ficaria sozinho num sábado à noite, onde chocolates não teriam calorias e onde eu usaria todas os vestidinhos do mundo sem nenhum deles marcar a barriguinha, fim. Mas o tempo passa, e um apartamento para chamar de seu, mesmo que não seja feito de chocolate, começa a fazer parte da lista de itens indispensáveis à vida. Junto, claro, com uma promoção no trabalho, um aumento e uma pós-graduação.

Daí que não se sonha mais dormindo: até porque se dorme com remédios. Tipo eu que aos 23 dependo de uns florais para conseguir pegar no sono por quatro horas diárias. Daí que não se sonha mais acordado: se faz projeto, planeja, elabora um documento, faz justificativa, lista de prós e contras e árvore de possibilidades.

Você é desses? Bem-vindo. Eu nem lembro mais que gosto tem uma escolha sem pensar em conseqüências, um telefonema só porque ah-que-vontade-que-eu-estava-de-ouvir-sua-voz. Tem que ser preto no branco, gosta de mim explique o porquê para que eu possa avaliar se daríamos certo juntos, favor preencher este formulário e aguardar retorno. Faço pauta e roteiro e chego em casa lendo uns seis jornais e umas três revistas tudo ao mesmo tempo porque, afinal de contas, preciso ter opinião formada sobre tudo, incluindo o golpe militar em Honduras, a crise no Senado e quem deve ficar com os filhos de Michael Jackson. Suspiro de ponta do nariz colada no nariz alheio e sorriso sem razão? Dá tempo não, baby. Tem muita coisa pra fazer.

Vai ver se Martin Luther King vivesse hoje ele não teria dito “Eu tenho um sonho”. Convocaria de uma coletiva de imprensa e nos jornais do dia seguinte sairia algo assim: “Tenho diversos projetos que gostaria de ver concretizados, sugiro que montemos uma coalizão”. E se fosse no Brasil, quando o projeto ficasse pronto e fosse aprovado pela Câmara e pelo Senado com todas as suas emendas e o aval do presidente Lula, King estaria quase nos 80. Mas vai ver também é assim que (não) funciona hoje. Você idealiza? Pois é. Hoje em dia, nem eu.