segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sobre hipocrisia

O que é a hipocrisia para você?

No Catecismo me ensinaram que o Papai do Céu condena. Para muita gente, é aquele tal de ter preconceito, de ter o coração duro mesmo ao praticar boas ações, de entrar na Igreja e depois sair desdizendo tudo o que ouviu. Para outros, é o fingir de amigo e falar mal pelas costas, é o oferecer ajuda e então fazer cara de sonso.

Eu nem discordo – mas vou além. Acho que somos hipócritas o tempo todo. Criando uma aparência que não temos, usando sutiãs que põem tudo pro alto, espartilhos que evidenciam uma cintura que não temos mais, alisando cabelos que a Mãe Natureza nos deu emaranhados. É também a cada porção de batata frita recusada porque, bem – mesmo quando uma moça do meu tamanho atinge oitenta quilos ela tem que fazer de conta que está tudo bem. E sorrir e citar o Roberto, que perguntou “quem foi que disse que tem que ser magra pra ser formosa?”.

E não para por aí. Mais que isso, somos hipócritas com os nossos sentimentos – quando forjamos uma segurança que não temos e suportamos a pressão e a ameaça de demissão no pós-férias – “reduzimos o quadro e enxugamos justamente a sua vaga, e agora?”- e agüentamos com um sorriso no rosto a constatação que não basta ser boa profissional pra se segurar num emprego. Somos hipócritas a cada vez de 180 baticuns por minuto que a gente faz cara de paisagem e age como se nem fosse grande coisa.
É aquele momento tipo ainda há pouco, em que o mundo caiu, o salto quebrou, o botão da camisa escorregou, o cabelo tá todo assanhado, os olhos estão inchados e a maquiagem borrada.

- E aí, menina, que saudade. Tá bem?

E a gente põe os óculos escuros e abre o sorriso mais largo de que é capaz.

- Claro que sim, tô renovada. Nunca me senti melhor.

Hipocrisia é uma arte importante, mas que eu preferia não dominar todo dia, sabe?

Quem mais aí tem momentos hipócritas?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do Curriculum Vitae como reforço de autoestima – Parte I


Enviar mais de trinta currículos num mês, preencher páginas e páginas de seleção para programas de trainee no meio de um mês de férias – mais: férias no Rio de Janeiro – dá o que pensar. É combustível para um revisão completa da vida, com direito a indagar quem você é, de onde veio e para onde vai – aliás, será que não respondi isso num desses processos seletivos online uma hora atrás?


Além de idade, escolaridade e nome de papai e mamãe, já dei a minha opinião sobre a crise no Senado e analisei a imprensa maranhense face à atual rotina de escândalos envolvendo José Sarney. Já escrevi um texto sobre o Michael Jackson e outro relatando três situações-problema na minha vida profissional que consegui resolver com sucesso. Já expliquei minhas perspectivas de carreira face às limitações instituídas com a crise mundial.


Já contei porque amo o meu trabalho mais que tudo mas mesmo assim quero trabalhar com vendas/ com geração de energia/ com investidores/ com decoradores/ numa grande redação. Já contei a minha maior qualidade, o meu maior defeito e o número de horas que passo ouvindo música, a quantidade de baladas que sou capaz de freqüentar num mês e até o número de horas que gasto dormindo – certamente, não muitas. Mas afinal, fazer currículo é a arte de mostrar o melhor de mim e ninguém precisa saber, até o primeiro dia em que eu aparecer com olheiras fundas às sete da manhã, que eu sofro de insônia crônica desde a barriga de mamãe.


O problema é que nem só de abstrações filosóficas e descrições da minha rotina se faz a procura por um emprego melhor. Bem mais diverso é o campo de exigências das empresas que requerem um profissional abrangente em todos os campos do conhecimento humano – exceto, claro, o Jornalismo. Nos últimos vinte dias, já me foram solicitados conhecimentos do céu, do mar e da terra: sobre decoração, gastronomia, mercado imobiliário, engenharia de tráfego e até com o ramo portuário e tecnologia espacial. Quer tentar? Vai lá, eu não passei não.


Com o perdão do lugar comum, mas em um mês de leitura diária de anúncios de vagas Internet afora, a gente faz uma revisão de vida, começando aos dezessete anos, no dia em que vesti o primeiro terninho, anexei uma carta de recomendação ao currículo cuidadosamente elaborado junto com o papai e fui bater de porta em porta em porta: “Moço, o senhor tem um estágio? É que eu quero ser jornalista. Nem precisa ser logo pagando, não”. E terminando na última reunião de editores em que eu teimei “A manchete do jornal é essa e pronto” e foi essa e pronto, que legal, volta pra casa e vai pensando na suíte.


Mas por agora, eu queria férias infinitas só para mandar currículo todo dia, que eu já estou ficando expert em preencher formulários. Ou, bem, só até no dia em que o telefone finalmente vai tocar e vai ser a dona Fulana de Tal da empresa X, “Olá, você pode comparecer a uma entrevista amanhã às 15h?”. Sim, porque nos meus sonhos nada acontece de manhã. Nesse horário, eu sempre tenho olheiras.

domingo, 16 de agosto de 2009

Gentileza e gente lesa

Numa tarde dessas, ouvi alguém lembrar: “Gentileza gera gentileza”. O interlocutor discordou e brincou. “Nada disso. Gente lesa gera gente lesa!”. Achei graça, mas vai ver é isso mesmo. Verdade que sorrisos polidos continuam a abrir portas – mas a maioria das expressões que se pretendem gentis contém advertências e desabafos velados nas entrelinhas.

Após dezesseis dias como hóspede em diversas casas alheias – férias, oba! – constatei que detesto a expressão “à vontade”. É falar “pode ficar à vontade” e me deixar com vergonha até de sentar no sofá e pegar água sozinha na geladeira. Afinal, assim como “a gosto”, à vontade é expressão relativa. Vontade de quem? Certamente não a do hóspede.

Quem diz “olha só, fica à vontade” com certeza não está esperando que eu deixe fios de cabelo enrolado decorando a louça da pia ou organize uma festinha dentro do quarto com a trilha sonora pós-punk oitentista que trouxe para animar o mês – coisas que efetivamente poderia fazer nos ambientes em que me sinto à vontade. Ah, e mencionei os sapatos jogados pro alto depois de um dia de caminhada? Pois é.

“Obrigado” e suas variações também me assustam. Eu sou moça de vinte e poucos anos e vontade forte, e a única coisa que faço obrigada é acordar cedo para trabalhar. Como assim, obrigada? Fiz porque quis, ué. E não me venha com “de nada”, “não tem de quê”, “imagina”, que me confunde mais ainda.

Outra dessas é o “como vai”. O Millôr diz que “chato é o sujeito que quando você pergunta como ele está, ele explica”. Concordo, mas sempre levei a pergunta muito a sério e literalmente. Daí que, numa dessas, segurei uma amiga no corredor do supermercado por mais de meia hora, até ela dizer: “A conversa até que está boa, mas eu tenho que pagar as compras”. Até hoje, ela nunca mais me telefonou.

Confundo, me torço e concluo que a Língua Portuguesa é a arte de dizer o oposto do que se quer e fingir interesse por aspectos alheios que não fazem diferença. Confesse: você se importa mesmo com o tipo de dia que vai ter o seu porteiro? Na dúvida, sigo sorrisos, agradeço a leitura da crônica e “bom dia, boa tarde, boa noite”. Tenham o dia que quiserem, e fiquem à vontade. Como vão vocês?

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sampa*


Alguma coisa aconteceu no meu coração.


E nem precisou, como diz a música, cruzar a Ipiranga com a avenida São João. Na verdade, nem passei por lá. Até pedi, numa das minhas andanças para fotografar a cidade, que o meu amigo e anfitrião me ensinasse a chegar lá. Ele me olhou blasé e resmungou “mas que clichê!” e disse que não me levaria e pronto. Mas conheci a deselegância discreta de meninas e meninos e aprendi, nos últimos dez dias, a chamar de realidade o caos mais delicioso que eu já conheci.


Acordei com o sol nascendo nos meus olhos na poltrona do avião. Espiei pela janela e eram prédios a perder de vista por entre as nuvens enquanto o piloto alertava para uma suposta zona de turbulência, mas o único tremor que eu sentia era o de admiração. Eu era João do Santo Cristo quando chegou em Brasília. “meu Deus, mas que cidade linda, no Ano-Novo eu começo a trabalhar”.


E amanhã é outro avião, não de volta que por mim eu não voltava nunca mais. Vôo que pego com um dia de atraso, já que não tinha mais passagem para a data que eu queria. Mas nem liguei, eu era Phileas Fogg quando descobre que está um dia adiantado na sua volta ao mundo. Daí que o avião ficou para amanhã e, até eu voltar pra cá, vou ficando assim, feito espectador daqueles filmes de trilogia que terminam deixando muita coisa para acontecer adiante. Saio do cinema qurendo mais, insatisfeita e ansiosa pelo capítulo seguinte.


Enquanto isso, é hora de seguir viagem – para uma Cidade a que chamam Maravilhosa. E até é. Mas eu, aqui comigo, já achei minha Cidade Maravilhosa de coração. Sampa, sou só saudade...