Ela começa despretensiosa: se insinua nos três dias de pesadelos seguidos pós-viagem, apela para a piedade alheia e vai ganhando terreno devagar: nos telefonemas que a gente recebe e não dá vontade de responder, nas roupas novas abandonadas em cima da cama e na pilha de livros começados e não terminados. Contei seis antes de viajar. Agora são oito.
Se encontra terreno, ela vira uma senhora audaciosa: comprime os ossos da coluna até quase trancar a respiração e me faz ir trabalhar à base de relaxante muscular. Algumas horas depois, aperta o peito e comprime traquéia e pescoço. Chegando à garganta, a solidão me faz um nó. Antes que eu perceba ela está por toda parte, jovem adulta e astuta, palpável como se uma névoa fria envolvesse tudo e todos os lugares por onde eu passo todos os dias.
E nem adianta telefonar e convidar para o meio da multidão, para uma festinha a dois, para uma noite de filé à parmegiana e suco de laranja discutindo Economia. Não adianta me ligar três vezes por dia e convidar para sumir do mapa por um final de semana. A gente tenta expulsar a solidão atrevida – agora arisca e cheia de vida feito qualquer adolescente rebelde – e descobre que não é fácil. O cenário já é dela. Invento desculpas para mim mesma: não era o telefonema certo, a pessoa certa, carne vermelha faz mal.
E tem até quem perceba a névoa fria ao redor e diga que é falta uma pessoa em especial. O engraçado é que não é. Até é falta de alguém, mas não alguém específico. Mas de alguém cujo rosto eu ainda não conheci, de indefinidos sobrenome e cor do cabelo. Daí que, sem saber o que quero, passo a noite em casa querendo estar na rua querendo voltar para casa. Chove.
E a minha solidão, agora, é uma criança birrenta.