sexta-feira, 23 de abril de 2010

Chuchu


Alguém aí já parou para pensar como surgem os apelidos supostamente carinhosos trocados entre casais de namorados? Chuchuzinho, por exemplo. Quem foi a moça que lá nos idos de 1457 concordou em ser chamada assim? Afinal, chuchu é hortaliça de sabor e cor nada convidativos. Coisa de gente que tá de dieta e nutricionista que monta cardápio sem gosto. Aliás, mesmo que o caso fosse para chamar o bem-querer de comida de regime, provavelmente há alternativas mais agradáveis à vista.

- Vem cá, minha berinjelinha.
- Aqui não. As crianças podem ver.
- Ah, minha folhinha de alface, só um pouquinho.
- Tá bom, tá bom, chamando assim eu não resisto. Mas tranca a porta.

Em oposição aos adeptos do amor diet, surgiram logo os defensores do amor adocicado. Chamar o namorado de doçura, docinho, ou ainda usar a variação docinho de coco é não se preocupar com a barriguinha nem o risco de elevação da taxa glicêmica. O problema é que se for mesmo para se entregar aos prazeres (os da carne e os da outra carne, se o leitor bem me compreende), há tantas delícias que “docinho de coco” parece simples demais, quase simplório. Vem cá, meu mousse de maracujá, minha torta de sonho de valsa, minha torta com 12 camadas e biscoito champanhe. Isso sim é amor de verdade. Meu petit gateau. Aliás, se os amantes se tratassem por petit gateau, substituiriam com folga qualquer "je t'aime, oh mon amour". Certeza.

Há casos, por sua vez, que oferecem material fértil para toda a literatura freudiana e de seus seguidores. Caso de baby, bebê, neném e toda sorte de apelidos infantis. Fora os relacionamentos que, pelo visto, também geram crises de identidade. Sobram branquelos trocando olhares embevecidos e tratando-se por “Pretinho” e “Pretinha”. Mesmo o “príncipe” utilizado à exaustão por mocinhas que ambicionam encontrar um par perfeito não é tão seguro quanto parece. D. João VI? Príncipe Charles? Nada encantados.

Quando eu tiver meu próximo namorado, vou tentar ser original. Para evitar confusão quanto aos significados, melhor chamá-lo de coisas que sejam bonitas, gostosas e interessantes para mim e deixar de lado os apelidos convencionais. Me dá um beijo, meu pacote de batata frita! Vem cá, meu doce de leite diet! Amo você, meu jardinzinho cheio de girassóis! Você é tudo para mim, minha discografia dos Beatles! Funciona?

domingo, 18 de abril de 2010

Muita

Eu sempre fui muita. Não muitas, no plural, de querer ter múltiplas personalidades e assobiar e chupar cana, tocar o sino e acompanhar a procissão e bancar a bipolar, virar um caso de terapia freudiana. Quis dizer superlativa: muito grande, muito inquieta (ou quieta demais), muito bonita ou muito feia. Como demais, compro demais, amo demais, penso demais. Uma existência tão superlativa assim cansa, tira noites de sono, acumula caspa no cabelo e mistura espinhas tardias com rugas precoces de pura preocupação.

Boa parte de tanto grau aumentado nos meus adjetivos deve ser por compensação. É que fui uma criança pouca: falava pouco, comia menos ainda, só chorava e cuspia fora a sopa que d. Aricelia tentava me obrigar a comer. Criança de poucos sorrisos, cara de poucos amigos.

Deve ser difícil conviver ao lado de gente muita. Na sua mania de superlativo, é sempre difícil entender o que elas estão pretendendo. Várias dessas gentíssimas abrem portas com estrondo e vestido vermelho e melancia pendurada no pescoço, falando alto e avisando ao mundo inteiro para olhar bem para elas.

E tem também gente que é muita, mas é o oposto: diminui o tom de voz, senta na cadeira do canto e se encolhe, só percebendo o ambiente ao redor. Afinal, ela é tão muita que está com medo de não caber, de chamar a atenção demais, de ser mandada embora porque, como o próprio nome deixa claro, exclusividade não é privilégio de muita gente – ou de gente muita.

O ruim é que gente muita vive pouco. Pensa tanto e tanto sente que age cada vez menos ainda. Muito tenta se afirmar para o alheio que pouco percebe do mundo à sua volta. Muito lê e pouco retém, muito planeja e pouco realiza. Muito se cansa. Papai do Céu, faz-me menos?