segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Uma quase crônica

Eu quase odeio aquele texto do "Quase" que chega nos emails da gente de vez em quando. Só não desgosto mais porque nele bem que há um pouco de verdade. Pior que o não ter, que o não ser em definitivo, é o quase ser. Quase vida na verdade é quase morte, e Quasímodo, por sua vez, é mais cruel ainda, porque quis dizer quase formado. Mas os piores de todos são os quase dias. Aqueles em que somos quase nós.

Favor não confundir com a hipocrisia, que é a negação do que se sente ou se teria vontade de fazer. O quase é desbotado, assim cor-de-rosa bebê, sem graça tipo lápis de cor que continua clarinho não importa com quanta força a gente o pressione contra o papel. Quase é um nem sentir, um quase querer, um só bem de leve imaginar que poderia virar o mundo de ponta cabeça - e em vez disso virar de volta para o computador, sempre de costas para a janela, sem ver a lua e o sol trocando de lugar.

Se, por um lado, quem quase saiu da dieta ainda pode respirar sem medo da balança, quem quase come ainda tem fome. Quem quase beija, por sua vez, termina a noite de batom irretocado, mas sonha acordado. Diz boa noite e entra em casa pensando quando, afinal de contas, vai ter coragem de pedir ou de roubar. Verdade que há também os quase beijos, com um quê de provocação às vezes mais interessante que o ato em si. É até bom. O problema é quando é só um quase corpo - sem coração. Muita gente que beija e quase beija, no fundo só quase namora e ainda está esperando o amor chegar.

E por esses dias, finalzinho de setembro e quase no dia do meu aniversário, está na hora de deixar de ser quase eu. Quero ser inteira: inteira coração, inteira pulmões, toda boca de sorriso e olhos fechadinhos. Sem quase verdades, quase amores ou a vontade que veio mas no fim ficou sufocada nas borboletas do estômago porque só me veio uma quase coragem. Às vésperas de completar quase 25, meu pedido é só: plenitude.

Estou quase conseguindo?

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O Ensaio

- É em cima.
- Em Si?
- Não, em cima mesmo. A corda de cima.
- Assim?
- Isso. Agora, dedilhado. Não, dedilhado. Assim. Não, do outro jeito. Não. Não. Dá aqui essa palheta.
- Assim? Mas não era em Lá?
- Lá onde?
- Não, em Lá mesmo. A gente mudou o tom na semana passada.
- Tá... Mas e a bateria, como é que fica?
- Ah, não sei. Improvisa uma virada aí.
- Eu pensei num negócio mais assim tum-pá-pá-pá-ti-ro-li-ro-pin-pou, sabe?
- Ah, faz assim meio tum- pa-rá-rá-tum-pá-tum-ta-ca-tum-pá-tum. Saca?
- É, vou tentar...
- Então fica assim: uma pegada meio samba, mas com uma guitarra de rock.
- E o que eu faço com esse baixo?
- Sei lá, samba e bate cabeça.

Adoro as noites de quarta-feira em que eles me convidam pra ver o ensaio deles. A banda é boa também.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ao contrário assim

Sabe balão cheio cheio cheio que escapa da mão e vai soltando o ar até parar murcho e esquecido num canto da sala?


Sabe o último quadradinho de chocolate que cai no chão antes de a gente dar a última mordida?


Sabe gato brincando com novelo de lã e correndo correndo atrás do novelo e sempre se enrolando e nunca alcançando?


Sabe corredor ultrapassado em frente à linha de chegada, gol de derrota aos 45 do segundo tempo, corredor brasileiro empurrado por manifestante na liderança da prova?


Assim.


O resto das enumerações vocês podem completar. Mas amanhã vai ser tudo ao contrário.


sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Pedido à paulista

Era o penúltimo dia em São Paulo. Fui ao caixa eletrônico garantir o pão e o circo dos últimos dias de férias. Seis da tarde e aquele friozinho gostoso de final de inverno na Avenida Paulista.

Daí que tinha o tal na porta da agência, do lado da alta de lixo, sentado no chão e enrolado em um par de mantas cinzentas e esfarrapadas. Ele revira os olhinhos remelentos e lamuriosos na minha direção, respira fundo, estende os braços e pergunta:

- Namora comigo?

E olha que foi o primeiro pedido de namoro que recebo em quase dois anos. E tem um povo por aí que acha que a vida amorosa deles que é uma piada.