Eu sempre fui um misto de menina medrosa com um resto de “oh-mas-que-será-que-vão-pensar-de-mim”? Daí que nessa eu fico num jeito de querer se soltar com dever se retrair e o resultado é esse – curtida e comprida, torta, torcida e, não raro, distorcida. Ora enchendo até derramar, ora deixando morrer por secar. Eu não sei a medida certa das coisas.
Eu tinha um amigo que toda vez que eu dizia que ia fazer qualquer coisa ele retrucava: “Duvido, você é classe média e vai ficar ai mesmo”. Meu pai nem se incomoda mais. Diz “decide aí e me avisa” e para de retornar meus telefonemas e emails, até eu aparecer com um novo plano mirabolante para mudar a vida de uma vez por todas e ser linda, magra, rica e enfrentar um dia inteiro trabalhando no sol quente sem manchar a blusa branca.
Mas nada nunca muda e realizações grandes e pequenas vão virando pacotinhos de presente não abertos espalhados nos cantinhos da sala. O telefonema que a gente deveria tomar coragem e fazer. A tentativa de beijo que morreu sufocada num “boa noite” tímido. O currículo que ficou esquecido na gaveta. Todas as viagens não-feitas, todos os livros não-lidos, os dias que você deixou para viver amanhã, amanhã, amanhã... Confessa: você também tem desses.
O desejo de faltar no trabalho, de pedir um aumento e de pedir demissão se o aumento não vier. De gritar para fora do carro quando passa pelo túnel do viaduto ou em cima da ponte olhando pro mar. De se jogar no mar de roupa e tudo, de jogar na parede e chamar de lagartixa e depois se esticar muito igual lagartixa ao sol, sorriso no rosto e olhinhos fechados de puro contentamento.
Eu quero isso tudo. Mas a maior parte dos dias eu vou trabalhar de roupa velha, me faço em tons pastel e solto uma gargalhada escandalosa pra fazer de conta que sou colorida. E volto pra casa lenta e me encolhendo que nem lagartixa no frio, meio espremida entre um e outro no ônibus lotado.
Daí que eu quero fazer um trato de fazer tudo que der na veneta. Mas pra você, não pra mim. Sair e encher a cara, fazer a viagem dos sonhos, tirar umas férias e aproveitar a vida, se permitir engordar, e mais: se permitir não querer emagrecer porque dá muito trabalho. Falar montes de besteiras e dizer verdades sem pensar e contar piadas politicamente incorretas. Anda, começou agora, levanta, passa um gel no cabelo, põe um sapato novo e sai pra vida!
Vai, pra bem longe, anda, o que é que você ainda está fazendo aqui lendo?
Quanto a mim... vai indo que eu vou já. Sabe como é, ainda estou morrendo de medo e considerando a hipótese.