sábado, 12 de fevereiro de 2011

Olhos de Retrovisor

Tem gente que nasce com olhos de retrovisor. Olha para trás a hora que quer e relembra e revisa o próprio passado com uma exatidão que é de assustar. Mudando um pouquinho de ângulo, as pessoas com olhos de retrovisor também conseguem olhar para dentro de si sem esforço. À primeira vista, é gente que empina o nariz e sorri, pensando ter conseguido a máxima do filosófo, conhecendo-se a si mesmos.

Acho que sou dessas. Eu sei em que cidade quero morar e sei exatamente o tipo de apartamento que quero ter nessa cidade. Sei dizer as cores das paredes, os detalhes da decoração, as cores dos tapetes, o jeito dos móveis e imagino até a coleção de canecas com desenhos e frases que vou ter no armário da cozinha, tão mais divertido que xícaras e pires combinando.

Sei dizer no que quero trabalhar e em que ocasiões do ano gostaria de tirar folga. Não me engano nem mesmo a quantas horas gostaria de trabalhar por dia. Sei o que ainda quero aprender, o tema do livro que quero escrever e o emprego exato que quero ter. Já tenho na cabeça os roteiros completos de quase todas as viagens que pretendo fazer na vida. Sei exatamente quanto precisa marcar a balança para que eu me sinta feliz, e não tenho a menor dúvida sobre que tipo de roupa quero ter no meu guarda-roupa.

Sei que tipo de boca quero beijar e que tipo de gente quero ter como amigo. Olho o cartaz de uma festa e já sei se gostaria ou não de estar lá. Conheço-me como poucas pessoas. Ponho um pé na frente do outro na certeza de entender minimamente as razões de cada atitude minha.

Mas o problema dos olhos de retrovisor é não poder olhar para frente. A gente gira até ficar tonta; não consegue. Se vira ao contrário e o futuro fica todo escuro. Agora responde, moço: se eu sei exatamente tudo o que quero, porque raios nada ainda começou a acontecer?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Samba da tangerina doida.

Caía a tarde feito um viaduto. Cores do mar, festa do sol. Mas deixe-me ir, preciso andar...Vou por aí a procurar rir pra não chorar, que se eu perder esse trem que sai agora às onze horas é só amanhã de manhã. Quem me vê sorrindo pensa que eu estou alegre, mas é só porque na vida a coisa mais feia é gente que vive chorando de barriga cheia. Eu não preciso de um talismã nem penso em meu amanhã. Vou remando contra a maré desde que levaram meus vinte anos, o meu coração e além de tudo deixaram mudo o meu violão.

E os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vão te seguindo. Olhos nos olhos, quero ver o que você faz. Teu olhar mata mais que atropelamento de automóvel, mata mais que bala de revólver. Bate outra vez a esperança no meu coração, ponho a sandália de prata e vou pro samba sambar. Fui à Lapa, mas perdi a viagem. O mundo triturou meus sonhos tão mesquinhos e reduziu minhas ilusões a pó. Só que eu não tenho medo de fumaça e não me entrego não... hoje é dia da caça, amanhã do caçador.Eu fico com a pureza da resposta das crianças: apesar de você, amanhã há de ser outro dia.

Se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar quando eu me encontrar. Se eu quiser fumar, eu fumo; se eu quiser beber, eu bebo. Pago tudo o que eu consumo com o suor do meu emprego, só que dinheiro na mão é vendaval. Vai, meu irmão, pega esse avião, você tem razão de sofrer assim, resignado e mudo no compasso da desilusão. Agora eu vou mudar minha conduta e deixar a vida me levar. Vida, leva eu. Mas com que roupa?