terça-feira, 29 de abril de 2008

D. Maroca e a solidão

Acordei tarde e meio de ressaca naquele domingo em Carolina. Meio culpada também, por ser a última a levantar sendo a hóspede. Na sala, o dono da casa pergunta a alguém: “Como assim, a dona Maroca morreu?”

Como convém a qualquer cidade do interior, adotamos logo as providências do costume. Desligamos o som, fechamos as janelas e telefonamos aos amigos avisando que não buzinassem, ao passar pela nossa porta, em respeito à nossa vizinha de frente, falecida apenas dois dias após a sua irmã, que morava na mesma casa.

Pergunto: ela morreu de quê? De velhice, respondem. Maroca já tinha lá seus 98 anos. Eu, que na minha vida inteira vi as pessoas morrerem de doença ou de violência, ainda não conhecia a "morte morrida". Se morre de doença, de infarto, de bala perdida... mas não de solidão.

Era o meu terceiro final de semana em Carolina, e apenas o segundo como vizinha de D. Maroca. Nem cheguei a conhece-la e não sei se ela fazia jus ao nome. Sei que na casa da frente, ampla, comprida e ventilada como só as casas de interior sabem ser, já coabitaram quatro mulheres. Quatro irmãs que, solteiras a vida toda, devem ter encontrado no companheirismo uma da outra conforto para mitigar um restinho de solidão que, companheira da vida toda, não as abandonara na velhice.

As irmãs de Maroca também morreram perto dos 100 anos. Porque ficaram a vida inteira as quatro sozinhas? Porque, de quatro filhas, nenhuma se casou? Talvez elas tenham sido, como muitas, vítimas de rapazes de fraque e cartola que muito prometem depois pouco cumprem. Talvez alguma delas tenha casado e enviuvado e talvez uma terceira esperasse, ainda hoje, pelas mesmas coisas que esperava lá nos seus quinze anos, de tranças e vestido engomado no portão.

Vai ver que, no pequeno espaço de dois dias que se seguiram à morte da irmã, a Maroca enlutada refletiu e achou que não lhe ficava bem a solidão naquela casa que, de tão grande, tinha quatro janelas viradas para a rua, na parede comprida. A única que restara, de quatro filhas solteiras. Ironicamente, a casa de Maroca, que ficava em frente à que eu me hospedo em Carolina, ficava também do lado do cemitério.

Deixei a casa e fui à cachoeira. Em silêncio, como convém à tradição. Barulho, só da rodovia pra frente...

2 comentários:

Bruna Castelo Branco disse...

Coitada de D. Maroca, mas eu conheço alguns casos assim. Minha mãe me conta alguns causos do interior. Texto leve e ótimo sempre
beijos, moça

Ana Paula Nogueira disse...

é sempre assim, a solidão sempre adormece com as pessoas no fim da vida... até que elas se entregam.

beijos
saudades