sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Gente-casa

(Luis Fernando Veríssimo)

"Existe gente-casa e gente-apartamento. Não tem nada a ver com o tamanho: há pessoas pequenas que você sabe, só de olhar, que dentro têm dois pisos e escadaria e pessoas grandes com um interior apertado, sala e quitinete. Também não tem nada a ver com caráter. Gente-casa não é necessariamente melhor que gente-apartamento. A casa que alguns têm por dentro pode estar abandonada, a pessoa pode ser apenas uma fachada para uma armadilha ou um bordel. Já uma pessoa-apartamento pode ter um interior simples, mas bem ajeitado e agradável. É muito melhor conviver com um dois quartos, sala, cozinha e dependências do que com um labirinto.

Algumas pessoas não são apenas casas. São mansões. Com sótão e porão e tudo que eles comportam, inclusive baús antigos, fantasmas e alguns ratos. É fascinante quando alguém que você não imaginava ser mais do que um apartamento com, vá lá, uma suíte, de repente se revela um sobrado com pátio interno, adega e solário. É sempre arriscado prejulgar: você pode começar um relacionamento com alguém pensando que é um quarto-e-sala conjugado e se descobrir perdido em corredores escuros, e quando abre uma porta, dá no quarto de uma tia louca. Pensando bem, todo mundo tem uma casa por dentro, ou no mínimo, bem lá no fundo, um porão. Ninguém é simples. Tudo, afinal, é só a ponta de um iceberg (salvo ponta de iceberg, que pode ser outra coisa) e muitas vezes quem aparenta ser apenas uma cobertura funcional com quarto, sala, lavabo e cozinha só está escondendo suas masmorras".

4 comentários:

tiaselma.com disse...

Mais importante é ser GENTE habitada. Gente que tem vida interior. Não importa o tamanho nem o tipo da casca. Conta a essência. Su é gente habitada, por exemplo.

Beijocas de sua leitora.

M. A. Cartágenes disse...

Estado de espírito ou simplesmente tirar um momento para sentar e observar?

Se for a segunda opção, melhor que seja mesmo ^^. Paz aê.

tiaselma.com disse...

A real? O que importa é gente habitada...

Beijocas na Su.

Márcio Beckman disse...

Texto legal, bem junguiano! No meu caso minha mente é um prédio antigo cheio de escadarias e lugares desconhecidos... Cada dia descubro algo de novo.