sábado, 30 de janeiro de 2010

A solidão é palpável*

Se eu tivesse que imaginar a solidão, ela seria igual àquelas bruxas de contos de fada que vestem preto, tem um véu cobrindo o rosto, uma verruga na ponta do nariz e nos provocam com as unhas escuras e compridas.

Ela começa despretensiosa: se insinua nos três dias de pesadelos seguidos pós-viagem, apela para a piedade alheia e vai ganhando terreno devagar: nos telefonemas que a gente recebe e não dá vontade de responder, nas roupas novas abandonadas em cima da cama e na pilha de livros começados e não terminados. Contei seis antes de viajar. Agora são oito.

Se encontra terreno, ela vira uma senhora audaciosa: comprime os ossos da coluna até quase trancar a respiração e me faz ir trabalhar à base de relaxante muscular. Algumas horas depois, aperta o peito e comprime traquéia e pescoço. Chegando à garganta, a solidão me faz um nó. Antes que eu perceba ela está por toda parte, jovem adulta e astuta, palpável como se uma névoa fria envolvesse tudo e todos os lugares por onde eu passo todos os dias.

E nem adianta telefonar e convidar para o meio da multidão, para uma festinha a dois, para uma noite de filé à parmegiana e suco de laranja discutindo Economia. Não adianta me ligar três vezes por dia e convidar para sumir do mapa por um final de semana. A gente tenta expulsar a solidão atrevida – agora arisca e cheia de vida feito qualquer adolescente rebelde – e descobre que não é fácil. O cenário já é dela. Invento desculpas para mim mesma: não era o telefonema certo, a pessoa certa, carne vermelha faz mal.

E tem até quem perceba a névoa fria ao redor e diga que é falta uma pessoa em especial. O engraçado é que não é. Até é falta de alguém, mas não alguém específico. Mas de alguém cujo rosto eu ainda não conheci, de indefinidos sobrenome e cor do cabelo. Daí que, sem saber o que quero, passo a noite em casa querendo estar na rua querendo voltar para casa. Chove.

E a minha solidão, agora, é uma criança birrenta.

*Quero dormir mais e me divertir mais um pouco. Este blog já foi mais alegrinho.

4 comentários:

M. A. Cartágenes disse...

Se esse blog já foi mais alegrinho ou não eu não sei, mas, até agora, mesmo que seja movido pelo aperto da alma e coração, ou da mente em questão... Sei lá, faz bem entende? Me entende mesmo?

Se acaso for o problema da falta de uma pessoa que não sabes o nome nem cor dos olhos ou tipo físico muito menos os cabelos, nem se preocupe. Penso que todas ests questões são perda de tempo. O que é oculto aos olhos geralmente está quase nos cegando de tão iluminado e alvo quanto a neve. É tudo questão de ver com uma lente diferente.

Como tu bem disseste pra mim, só que eu adapto pra ti, para alguém que não tem lá tanto sucesso nessas coisas ditas serem do peito, até que tu se sai bem. Para quem está escrevendo no momento coisas não muito felizes, eu percebo um otimismo maior do que eu e tu juntos.

Paz aê broto bonito.

Fernanda H.A. disse...

A solidão é uma armadilha, eu o que o diga. Sinot a a solidão se aconchegar em meu coração deixando-o murcho. Estou perdendo meu tempo com ela, ás vezes é medo de se machucar. As pessoas machucam, ai então, solidão. Falta coragem pra se esticar, ir pra rua com a pessoa certa fazer a coisa errada e vive-versa, no fim do dia então voltar pra casa ouvir aquele disco que você comprou e esqueceu enquanto termina um bom livro.
Mas é preciso tanta coragem que deve doer no começo.
Deve valer a pena!
Beijos.

tiaselma.com disse...

Su, Scott Fitzgerald escreveu: "Na noite profunda e escura da alma, são sempre três horas da madrugada."
Verdade, né? Vantagem: uma inspirada básica para escrevermos textos bacanas assim...

Beijocas.

Márcio Beckman disse...

Oi prima, legal ter aderido a idéia do selo! Quanto à solidão, já senti bem as mãos desse terrível fantasma... Ela está sempre presente, pois sempre há algo que não dá pra compartilhar com as pessoas e vc tem q guardar só pra si por prudência. A pior solidão é a solidão acompanhada...