Numa tarde dessas, ouvi alguém lembrar: “Gentileza gera gentileza”. O interlocutor discordou e brincou. “Nada disso. Gente lesa gera gente lesa!”. Achei graça, mas vai ver é isso mesmo. Verdade que sorrisos polidos continuam a abrir portas – mas a maioria das expressões que se pretendem gentis contém advertências e desabafos velados nas entrelinhas.
Após dezesseis dias como hóspede em diversas casas alheias – férias, oba! – constatei que detesto a expressão “à vontade”. É falar “pode ficar à vontade” e me deixar com vergonha até de sentar no sofá e pegar água sozinha na geladeira. Afinal, assim como “a gosto”, à vontade é expressão relativa. Vontade de quem? Certamente não a do hóspede.
Quem diz “olha só, fica à vontade” com certeza não está esperando que eu deixe fios de cabelo enrolado decorando a louça da pia ou organize uma festinha dentro do quarto com a trilha sonora pós-punk oitentista que trouxe para animar o mês – coisas que efetivamente poderia fazer nos ambientes em que me sinto à vontade. Ah, e mencionei os sapatos jogados pro alto depois de um dia de caminhada? Pois é.
“Obrigado” e suas variações também me assustam. Eu sou moça de vinte e poucos anos e vontade forte, e a única coisa que faço obrigada é acordar cedo para trabalhar. Como assim, obrigada? Fiz porque quis, ué. E não me venha com “de nada”, “não tem de quê”, “imagina”, que me confunde mais ainda.
Outra dessas é o “como vai”. O Millôr diz que “chato é o sujeito que quando você pergunta como ele está, ele explica”. Concordo, mas sempre levei a pergunta muito a sério e literalmente. Daí que, numa dessas, segurei uma amiga no corredor do supermercado por mais de meia hora, até ela dizer: “A conversa até que está boa, mas eu tenho que pagar as compras”. Até hoje, ela nunca mais me telefonou.
Confundo, me torço e concluo que a Língua Portuguesa é a arte de dizer o oposto do que se quer e fingir interesse por aspectos alheios que não fazem diferença. Confesse: você se importa mesmo com o tipo de dia que vai ter o seu porteiro? Na dúvida, sigo sorrisos, agradeço a leitura da crônica e “bom dia, boa tarde, boa noite”. Tenham o dia que quiserem, e fiquem à vontade. Como vão vocês?
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Um comentário:
Li à força esse post. Obrigada!
Muuuuuito bom!
Mas é nisso que dá as palavras ausentes de bocas. Esvaziam-se.
Tenho tanto cuidado com isso... Ou me calo.
Beijocas.
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