terça-feira, 7 de abril de 2009

Palavríssimas

Já dizia o Veríssimo que “certas palavras tem o significado errado”. Eu concordo plenamente. Mas enquanto ele acha que a gente fala “sílfide” e fica vendo a palavra fluir no ar, dando voltinhas de borboleta, eu acho que parece nome esquisito, de peça de encanamento de banheiro, que o pedreiro fala e a gente fica sem saber direito o que é.

- O sanitário tá entupido. Vai ter que trocar a sílfide.

- Ah...e quanto isso vai custar?

- O serviço não é caro não. Mas vai ter que quebrar a parede.

Magenta é a mesma coisa. O meu primeiro computador foi um laptop em preto e branco. Eu tinha uns dez anos e sempre imaginava que cor devia ser a tal magenta. No mínimo um marrom daqueles bem esquisitos, cor de burro quando foge. É dizer “magenta” e imaginar mosquinhas voando em cima. Magenta cai macio e quebra depois no meio do T. Aí vem meu primeiro computador colorido, uns três anos depois, e descubro que o nome esquisito é, na verdade... um tipo de cor-de-rosa. Eu ficaria ofendida se fosse ele.

E pudica? Eu já quis ser bonitinha do vestido florido, trancinhas no cabelo e corar imensamente com cada galanteio, a imagem da pureza. Mas quem quer que se referisse a mim como “pudica” ia levar um tapa, que pudica é a sua mãe e eu exijo que o senhor me trate com respeito. Parece adjetivo pra mulher que não toma banho e tem verruga na ponta do nariz. Fica andando pela casa com cabelo desgrenhado e esse cheiro nauseabundo – que, por sinal, outra palavra feia de dar dó, provavelmente a mais feia de toda a Língua Portuguesa. Nauseabundo dá voltas na garganta e depois incha a boca e sai cuspida, nojenta mesmo. Pelo menos um significado tinha que estar certo.

Marimbondo, então, devia ser algum instrumento exótico de percussão, tocado em algum tipo de dança folclórica. Sarjeta, um tipo de colete, de preferência roxo bem escuro e com uns brilhinhos cafonas. Córtex, um instrumento cirúrgico. Proxeneta, alguma daquelas pecinhas do carro que sempre quebram ou ficam sujas e precisa trocar e a gente não faz a menor idéia de pra que serve, só sabe que vai custar uma nota. E conurbação, desculpe, mas eu não posso contar porque é feio.

Daí que talvez não causassem tanto estranhamento se lêssemos histórias assim:

"Ontem Agripino, um celébre tocador de marimbondo, voltou mais cedo para casa. Ao sair do concerto, encontrou uma moça de aparência muito pudica, que lhe pediu uns trocados. Ele recuou horrorizado com o cheiro nauseabundo da garota, pisou num saco de lixo e um líquido magenta espirrou, manchando sua sarjeta nova. A moça se aproximou, sedutoramente, ensaiando os primeiros passos de uma conurbação. Assustado, Agripino correu para o carro e tentou dar partida, mas o carro não respondeu. Tinha quebrado a proxeneta".

7 comentários:

Unknown disse...

Muito bom, muito bom!!!!!!!!!!

Unknown disse...

Esse texto salvou minha manhã aqui no trabalho, obrigado!

gin and tonic disse...

Hahahaha.. talentosa, como de costume!Abraços :)

tiaselma.com disse...

Cheguei via DizVentura. Um prazer, sobretudo por "Palavríssimas". Criatividade e domínio de texto.

Abraços.


www.tiaselma.com

Anônimo disse...

com aspas, por favor...
o texto, na íntegra, é do veríssimo, publicado em vários jornais, na semana passada.

Tangerine disse...

Tá variando, Anônimo?

Como assim o texto é do Veríssimo se eu até comento sobre um texto dele?

Claro que o texto é meu mesmo. Escrevi aqui sentadinha nessa mesma cadeirinha. É uma idéia pra uma crônica que eu tinha faz tempo.

Quando posto aqui algo que não me pertence, faço questão de aspear, indicar a fonte e ainda indicar um link para a versão original.

Eu me inspirei, sim, no Veríssimo e tentei imitar o estilo dele, como escritora iniciante que sou - afinak, todos sempre começamos imitando nossos modelos. A minha base foram os textos "Defenestração", "Pudor" e "Palavreado". Talvez por isso a semelhança.

Carolina Graça Mello disse...

ahhh!
tu tem alma de cronista!:*