domingo, 18 de abril de 2010

Muita

Eu sempre fui muita. Não muitas, no plural, de querer ter múltiplas personalidades e assobiar e chupar cana, tocar o sino e acompanhar a procissão e bancar a bipolar, virar um caso de terapia freudiana. Quis dizer superlativa: muito grande, muito inquieta (ou quieta demais), muito bonita ou muito feia. Como demais, compro demais, amo demais, penso demais. Uma existência tão superlativa assim cansa, tira noites de sono, acumula caspa no cabelo e mistura espinhas tardias com rugas precoces de pura preocupação.

Boa parte de tanto grau aumentado nos meus adjetivos deve ser por compensação. É que fui uma criança pouca: falava pouco, comia menos ainda, só chorava e cuspia fora a sopa que d. Aricelia tentava me obrigar a comer. Criança de poucos sorrisos, cara de poucos amigos.

Deve ser difícil conviver ao lado de gente muita. Na sua mania de superlativo, é sempre difícil entender o que elas estão pretendendo. Várias dessas gentíssimas abrem portas com estrondo e vestido vermelho e melancia pendurada no pescoço, falando alto e avisando ao mundo inteiro para olhar bem para elas.

E tem também gente que é muita, mas é o oposto: diminui o tom de voz, senta na cadeira do canto e se encolhe, só percebendo o ambiente ao redor. Afinal, ela é tão muita que está com medo de não caber, de chamar a atenção demais, de ser mandada embora porque, como o próprio nome deixa claro, exclusividade não é privilégio de muita gente – ou de gente muita.

O ruim é que gente muita vive pouco. Pensa tanto e tanto sente que age cada vez menos ainda. Muito tenta se afirmar para o alheio que pouco percebe do mundo à sua volta. Muito lê e pouco retém, muito planeja e pouco realiza. Muito se cansa. Papai do Céu, faz-me menos?

5 comentários:

M. A. Cartágenes disse...

Engraçado, tu eras uma criança de pouco e agora é de muito. Eu era uma de muito e agora sou de pouco. Pouco em tudo, e é bom que seja assim ^^

Gostei de ver isso aqui atualizado!

tiaselma.com disse...

Adorei esse post. Cristalino. Um dos seus melhores.
Afora a alegria de vê-la de volta,Su!

Beijocas.

vendido disse...

like it

muito bom ;)

Anônimo disse...

Muito lindo!

André Tadashi disse...

Texto muito bem escrito. Conseguiu captar bem o que eu passo.

Gostaria de saber se existe explicação racional pra isso e se exitem outras pessoas que sentem a mesma coisa.