sábado, 25 de abril de 2009

Acabativa

Daqueles dias que a gente tem a impressão de que toda as pendências da vida se juntaram num monstrengo verde e gosmento enorme,todo ele formado de coisas começadas e inacabadas. So só eu ou vocês também?

Um cartão de crédito negociado só com a metade das parcelas pagas e uma idéia de dança do ventre ressuscitada e abandonada seguidamente todos os sábados à tarde, médicos que eu deveria procurar pra pequeninos grandes problemas o tratamento da tendinite e o pra emagrecer que larguei no finalzinho pra depois engordar tudo de novo, o regime, a fotografia, a academia, a carteira de motorista, os livros acumulados no criado-mudo, os currículos desatualizados no fundo da gaveta, tá bom, acho que ficou bem grande já, não me machuca, seu Monstro, por favor.

Não sei vocês, mas pra mim já chega de amanhã, eu quero é pra ontem. Despencou tudo e bem que já tava na hora. Agora é organizada e sem preguiça de fazer a cama e lavar o cabelo quando faz frio.

E o monstrengo que pode ir para a Terra das Pessoas Que Não Terminam As Coisas.

Isso, claro, se eu não mudar de idéia e o projeto de terminar as coisas que comecei ficar a abandonado e passar a ser, ele próprio, um projeto começado e não terminado.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Enganei-me.

Dez dias de chuva, com pequenos intervalos.

Dois soterramentos
Dez por cento da Ilha em área de alto risco
Duzentos e dezesseis desabrigados na capital
Três mil e trezentos em todo o Estado
Uma ponte quebrada
Onze cidades em situação de risco
Três em estado de emergência
Três calças jeans cheirando a mofo
Oito camisetas idem
Um governador cassado
Um ex-governador fazendo a linha “Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira”
Um jornalista agredido por manifestantes
Uma filha de Sarney (re)empossada

Lavou, tá novo, mas vai ver se ficar tempo demais de molho estraga.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Lavou, tá novo

Chove ininterruptamente há sete dias e a única roupa que sobrou sem estar molhada e cheirando a mofo é a calça branca que não dá para usar em dias de chuva, porque fica logo toda manchada de água e de lama. Há sete dias que a chuva não dá um minuto sequer de trégua e a temperatura caiu tanto que ando em casa de calça comprida e duas meias em cada pé, sentindo as pontas dos dedos congelarem debaixo do lençol.

A chuva não pára e, se andar de carro é complicado no meio do toró, a pé está mais difícil ainda. Especialmente naquela hora que você fica parada no meio-fio da rua alagada esperando para atravessar, usando a tal calça branca com os carros passando dos dois lados espirrando uma água lamacenta que o guarda-chuva é pequeno demais para conter. Aliás, sempre achei guarda-chuvas um desperdício, que só servem para quebrar na hora que o temporal está mais forte e serem esquecidos na sala do cinema, lanchonetes, academia de ginástica etc.

A chuva começou na última quarta-feira. Aquele dia que uns pingos órfãos se desgarraram do resto e foram dar certinho no meu forro de PVC. Procurando o destino de toda gota de chuva, que é o chão, terminaram indo parar em cima da minha cama. Mudei a cama de lugar três vezes, tentei dormir na rede da sala, depois no sofá, depois no outro sofá e acabei voltando, às quatro da manhã, para a cama molhada mesmo. Pelo menos desde sexta-feira não pinga mais nada nela.

Pela vidraça, a vista é a da rua alagada por causa das galerias subterrâneas dos esgotos que estão todas entupidas. Eu observo atenta os barquinhos de papel virados na sarjeta, esperando ver um Noé pós-moderno passar com um casal de animais de cada espécie, ratinhos baratas e gafanhotos, que vai ver Deus viu que tem é que se acabar tudo em água de novo. Aí já começa o pós-apocalipse com tudo limpinho. Afinal, se acabasse em fogo iria levar um tempão até espanar todas as cinzas.

Vai ver é isso. Esqueçam cassação, libertação, Balaiada e outros que tais. Semana passada, Papai do Céu decidiu lavar o Maranhão.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Palavríssimas

Já dizia o Veríssimo que “certas palavras tem o significado errado”. Eu concordo plenamente. Mas enquanto ele acha que a gente fala “sílfide” e fica vendo a palavra fluir no ar, dando voltinhas de borboleta, eu acho que parece nome esquisito, de peça de encanamento de banheiro, que o pedreiro fala e a gente fica sem saber direito o que é.

- O sanitário tá entupido. Vai ter que trocar a sílfide.

- Ah...e quanto isso vai custar?

- O serviço não é caro não. Mas vai ter que quebrar a parede.

Magenta é a mesma coisa. O meu primeiro computador foi um laptop em preto e branco. Eu tinha uns dez anos e sempre imaginava que cor devia ser a tal magenta. No mínimo um marrom daqueles bem esquisitos, cor de burro quando foge. É dizer “magenta” e imaginar mosquinhas voando em cima. Magenta cai macio e quebra depois no meio do T. Aí vem meu primeiro computador colorido, uns três anos depois, e descubro que o nome esquisito é, na verdade... um tipo de cor-de-rosa. Eu ficaria ofendida se fosse ele.

E pudica? Eu já quis ser bonitinha do vestido florido, trancinhas no cabelo e corar imensamente com cada galanteio, a imagem da pureza. Mas quem quer que se referisse a mim como “pudica” ia levar um tapa, que pudica é a sua mãe e eu exijo que o senhor me trate com respeito. Parece adjetivo pra mulher que não toma banho e tem verruga na ponta do nariz. Fica andando pela casa com cabelo desgrenhado e esse cheiro nauseabundo – que, por sinal, outra palavra feia de dar dó, provavelmente a mais feia de toda a Língua Portuguesa. Nauseabundo dá voltas na garganta e depois incha a boca e sai cuspida, nojenta mesmo. Pelo menos um significado tinha que estar certo.

Marimbondo, então, devia ser algum instrumento exótico de percussão, tocado em algum tipo de dança folclórica. Sarjeta, um tipo de colete, de preferência roxo bem escuro e com uns brilhinhos cafonas. Córtex, um instrumento cirúrgico. Proxeneta, alguma daquelas pecinhas do carro que sempre quebram ou ficam sujas e precisa trocar e a gente não faz a menor idéia de pra que serve, só sabe que vai custar uma nota. E conurbação, desculpe, mas eu não posso contar porque é feio.

Daí que talvez não causassem tanto estranhamento se lêssemos histórias assim:

"Ontem Agripino, um celébre tocador de marimbondo, voltou mais cedo para casa. Ao sair do concerto, encontrou uma moça de aparência muito pudica, que lhe pediu uns trocados. Ele recuou horrorizado com o cheiro nauseabundo da garota, pisou num saco de lixo e um líquido magenta espirrou, manchando sua sarjeta nova. A moça se aproximou, sedutoramente, ensaiando os primeiros passos de uma conurbação. Assustado, Agripino correu para o carro e tentou dar partida, mas o carro não respondeu. Tinha quebrado a proxeneta".

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Enigmas religiosos

Sábado, nove horas da manhã. Fui acordada por batidas fortíssimas no portão de alumínio ainda sem campainha. No olho mágico, sorridentes, um caal de Testemunhas de Jeová.

De pijama furado enrolada no lençol, prefiro não abrir a porta. Sabe como é, eles estão arrumadinhos e com cara de quem já tomou café e escovou os dentes – bem diferente de mim. Pergunto o que é.

- É que a gente veio te convidar para a comemoração da morte de Jesus – responde a moça.

Achando tudo muito estranho, agradeci o convite e voltei pra cama, imaginando como seria essa comemoração. Não sei quanto a vocês, mas na minha religião, pensei que o motivo da festa era o fato de o cara ter voltado à vida, não de ele ter morrido. Quer dizer que é porque o cara morreu que a gente faz uma festona e se enche de chocolate? Vai entender...